segunda-feira, 14 de junho de 2010

Toda vida que houver nesse amor


Imagem: http://1.bp.blogspot.com/_tUu_dJGpC7U/Smkbcdm4eoI/AAAAAAAAAYM/KdI8VqUyqeg/s320/gay_adoption_b.jpg

O conceito de família não se limita à formação familiar, mas aos vínculos afetivos, de respeito, admiração... Por isso, chamamos Geisa D'avo para falar sobre a polêmica criada por uma parte da sociedade em relação à adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais. Ela é jornalista, homossexual e escreveu um texto primoroso que fala principalmente sobre a importância de amar.

"A minha história é igual a tantas outras e diferente de tantas outras, mas, como todas, contém algo de bastante peculiar. Para poder contá-la, preciso, antes, recorrer às memórias da minha infância. Nasci numa família bem pouco tradicional, aliás, tão pouco tradicional que renderia boas horas de análises terapêuticas. Desde neném, ‘acompanhei’ meus pais pelos bares da cidade, já que eles, embora tivessem certa idade, não estavam preparados para a responsabilidade de se tornarem, de fato, responsáveis por uma outra vida.

Cresci com a sensação de que não era 100% bem vinda no ambiente familiar. Por anos a fio, tinha a nítida impressão de que aquele casal briguento me desejava ali, mas não sabia o que fazer com meus passos, com meus dias, com meu futuro. E, seguindo meus instintos (ou, quem sabe, minha carência), encontrei em outros lugares aquilo que achava que deveria ter em casa. Construí relações familiares com pessoas que viviam sempre ao meu redor e pude, assim, ‘contornar’ a ausência de autoridade que via nos dois.

Acontece que, passados alguns anos, dei de frente com uma situação para a qual nenhuma das minhas duas famílias – a real e a imaginária – estava pronta para lidar. Descobri, tardiamente, que era homossexual e sabia que se tratava de um fator determinante para o resto da minha vida. Foi aí que, a contragosto, percebi a importância dos meus pais.

Quando proclamei a novidade aos dois, sim, àquelas duas mesmas pessoas que pareciam pouco se importar comigo, enfrentei uma reação que me pareceu contraditória. Ambos tiveram o que posso chamar de ‘surto do futuro’, algo como: “como vai ser daqui para frente? O que vai ser de você? Como você vai viver?”.

Até então, eu não tinha imaginado uma única razão para aquela reação descabida. Afinal, assumir a própria condição sexual – seja ela de qual tipo fosse – não deveria representar um problema em termos de futuro. Mas, no momento em que eles expressaram a preocupação com o futuro, entendi que havia ali algo de importante sobre o passado. No ápice da mágoa, comecei a me libertar da sensação de que meus pais tinham deixado a desejar.

Tanto quanto qualquer casal de qualquer idade e de qualquer época, meus pais não tiveram acesso a um manual intitulado ‘como criar bem seus filhos’ – mesmo porque, não importa quantas sejam as tentativas de se escrever um guia como este, o fato é que é impossível estabelecer condutas perfeitas à criação de uma família.

Ao modo deles, deram o que tinham de melhor e, tantas vezes, deram até mais do que tinham, mesmo que este tanto à época me parecesse tão pouco. E, então, quando comecei a desculpá-los pelos erros e amá-los pelos acertos, comecei a dar vazão a um lado da minha personalidade que sequer imaginava que existia.

A vontade de casar e constituir família, tão heterossexual em seu princípio e conceito, de repente, me parecia atraente. E, quanto mais os anos se passavam, mais desejo eu sentia em concretizá-la.

Hoje, diante de todas as mudanças políticas e principalmente sociais em relação aos tabus da homossexualidade, sei que tenho condições de estruturar uma família em condições mais apropriadas que meus pais tiveram. Os tempos são outros, tudo mudou, e, mesmo o casal antes briguento, agora, vive em clima de paz e satisfação. Eles sabem que fizeram o melhor por mim e que meus passos seguem para bem perto de onde, um dia, imaginaram que eu pudesse chegar.

A única coisa igual entre a família que eles começaram a construir e que eu espero ‘expandir’ é o fato de que, tanto quanto eles, tenho todo o amor do mundo para dar aos meus filhos, mesmo que passe anos sem ter a menor ideia de como fazê-los sentirem-se amados."

Por Geisa D'avo, jornalista

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