quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Crônica das vidas anunciadas

Imagem: daylightediet.com_blog



Uma amiga disse que Sarah é tão virginiana que praticamente fez uma lista da data propícia para chegar ao mundo. Decidiu nascer exatamente no fim de semana em que meu noivo estaria em casa e eu não estaria trabalhando – afinal meu expediente é de segunda à sexta. Escolheu também a madrugada, sendo assim, o trânsito não atrapalharia sua chegada. E eu agradeço. Porque me perdoem os leoninos, mas não sou lá muito de massagear jubas. De certo modo, o mistério ficou no ar até o último minuto. O trabalho de parto teve início no dia 22, último dia para o signo de leão.


O bom de tanta organização por parte da minha filha é que essa palavra passou a fazer parte do meu vocabulário de forma mais contundente. O sábado em que comecei a sentir pequenas pontadas era para ser como qualquer outro. Era. Como pessoa precavida, segui “a rigor” a alimentação balanceada que o fim da gestação pede. No almoço, a caprichada feijoada. No jantar, um belo lanche do Mc Donald’s. Também andei para cima e para baixo para comprar uma cesta de vime, por pura vontade de colocar as fraldas num suporte como o que vi em uma revista.


Quando voltava da lanchonete, senti uma cólica de leve. Comentei com o Gil, mas logo descartei a possibilidade de ser o início do trabalho de parto. Pura ingenuidade. Na minha cabeça, ela só nasceria no fim da semana. Mal sabia eu que ela era determinada. Assistimos a um filme e as dores começaram a vir com mais frequência. O Gil começou a contar os intervalos entre uma pontada e outra. Eram de cinco minutos. Entrei debaixo do chuveiro. A água quente deu uma ajuda – de poucos segundos.


Ligamos para o obstetra e partimos rumo à maternidade. Um passeio em família. Eram duas horas da madrugada. Lotamos o carro. Minha mãe, meu pai, minha irmã, o Gil e eu, é claro. Chegando lá, eu continuei com a minha calma. Desenvolvi o lado zen com a maternidade. Mas parece que às vezes preciso de um chacoalhão. O segurança logo perguntou se não queria uma cadeira de rodas. E eu, acreditando que voltaria para casa por ser só alarme falso, disse que não. O Gil pediu para ele trazer.


Só acreditei que era o momento de a Sarah chegar, quando a obstetriz disse que estava com quatro centímetros de dilatação. Mesmo assim continuei calma. Fui levada de maca à sala de parto normal. Na minha cabeça, seria coisa rápida. Afinal, a dor nem era tanta e já estava com dilatação. Santa ingenuidade! Fiquei até às 5h30 no mesmo estado. Nada acontecia. E num momento propício, lembrei do rico cardápio do jantar e do almoço.


O Gil acompanhou todo o processo. Todo mesmo. Passei mal, joguei a comida fora… O pior foi quem pensou na decoração da sala de parto. Isso porque um relógio enorme que marca até os segundos ficava bem na minha frente, me lembrando de cada contração. É como se nós fizéssemos contagem regressiva. As dores que sentia duravam milésimos, mas pareciam horas. Minha coragem para fazer parto normal desapareceu. Pedia para o Gil chamar alguém para aplicar a anestesia.


Depois de tudo isso, o parto normal foi descartado, pois não havia dilatação suficiente. No centro cirúrgico, a anestesista pediu para eu ter calma que a anestesia não doeria muito. Aquela picadinha já não era nada. Disse a ela que poderia aplicar quantas vezes quisesse. Não parava de tremer tamanha era a descarga de adrenalina no meu corpo. Depois da injeção a dor passou. Aí ouvi o som da Sarah chorando me emocionei. Depois o Gil a trouxe bem perto de mim. Ela já descansava. Também estava exausta. Ia para cá e para lá na barriga. Já era a hora dela.


Terminaram a cirurgia, fui a uma sala de recuperação. Cheguei no quarto, Gil não conseguia descansar. Queria ficar perto da pequena. E eu, carregá-la. Nessas quase nove horas de trabalho de parto, nos preparávamos para o que viria. Era como se o processo anunciasse novas vidas. As vidas verdadeiras, que se iniciaram ali.

Um comentário:

  1. Nossa, que trabalhão para a Sarah chegar ao mundo, hein? Sua descrição me fez visualizar cada cena e sentir parte do que sentiu. Apenas parte, claro. E depois ainda dizem que é possível ter orgasmo na hora do parto. Continuo duvidando…

    Parabéns pela filhota. Vi as fotos. Ela é linda!

    Bjão!

    ResponderExcluir